Casa vendida por 244 mil euros avaliada pelo dobro


Por causa da crise, há quem esteja a vender a casa por um preço inferior ao valor patrimonial que consta nas Finanças. Mas, quando chega o momento de declarar as mais-valias (o vendedor) ou de pagar o IMT (o comprador), o fisco faz os cálculos pelo valor mais alto. Esta lógica fiscal abrange também os imóveis entregues para dação em pagamento.
Em 2006, os sócios de uma empresa (que pediu o anonimato) decidiram vender um imóvel cujo valor patrimonial tributário (VPT, ou seja, o valor que passa a servir de referência para o IMI e todos os outros impostos) era de 338 mil euros. O negócio foi fechado por 244 mil euros. Para evitar pagar mais-valias sobre o VPT, a empresa procurou fazer prova do valor efectivo da transacção. As Finanças invocaram o levantamento voluntário do sigilo bancário (que num caso como este abrange as contas da empresa e dos sócios e ex-sócios). A empresa não o permitiu e o resultado final acabou com o fisco a fazer uma nova reavaliação do imóvel e a fixar-lhe o VPT em 484 mil euros.
O caso está agora em tribunal mas, se as Finanças saírem vencedoras, a mais-valia vai subir ainda mais porque incidirá sobre os 484 mil euros e o IMT.
Se a venda for feita por um particular, alerta Pedro Marinho Falcão, especialista em Direito Fiscal, esta particularidade da legislação é ainda mais prejudicial. Porque neste caso nem sequer há a possibilidade de fazer prova do valor efectivo de venda. "Apenas é considerado o valor patrimonial para efeitos dos impostos a pagar", refere. Assim, quando no ano seguinte este contribuinte fizer a declaração de IRS, terá de declarar um montante de mais-valias que na realidade não existe e quem comprou terá de pagar o IMT sobre o valor patrimonial que está inscrito na matriz das Finanças.
Portugal não teve uma bolha imobiliária especulativa como a que ocorreu nos EUA, na Irlanda e em Espanha, mas quem está ligado ao sector imobiliário admite que há quem venda abaixo do VPT, devido ao actual contexto de crise e de ter urgência em vender.
"Em circunstâncias normais, o VPT é inferior ao valor da transacção. Porém, no actual contexto, podem surgir casos em que se verifique o contrário", observou o presidente da Profissionais e Empresas de mediação imobiliária (Apemip). Apesar de haver formas de reclamar administrativamente, a verdade é que só com a mudança da lei estas situações podem ser salvaguardadas.
Há outro factor que contribui para que o VPT possa ficar mais alto do que o valor da venda, sobretudo em momentos como o actual, em que perante situações de desemprego e de quebra de rendimento a urgência de transformar um bem em dinheiro acabe por se vender a preço de saldos. Tudo porque o cálculo do valor patrimonial está associado ao custo de construção.
Ora, como sublinha Ricardo Guimarães, do Índice Confidencial Imobiliário, enquanto o preço de venda das casas não tem aumentado, o mesmo não se passa com os custos de construção - desde logo por causa do efeito da inflação nos materiais. "Este é o pecado original", precisa.
A questão do valor patrimonial tributário vai voltar a colocar-se na sequência do programa de medidas de austeridade que Portugal está obrigado a aplicar para poder continuar a receber ajuda financeira do FMI e da União Europeia. De acordo com aquele programa, todos os imóveis ainda não reavaliados de acordo com as regras do Código do IMI terão de sofrer esta reavaliação. E, segundo os últimos dados da Direcção-Geral dos Impostos, mais de um terço dos prédios urbanos continuam a pagar IMI com base num valor matricial antigo (ver infografia).
Mas não só. Depois de resolvido o problema das avaliações, a troika quer que seja criado um sistema que permita que o valor patrimonial tributário vá sendo actualizado ao longo de vida do imóvel. Actualmente, os imóveis já reavaliados pagam uma taxa de IMI entre 0,2% e 0,4%, enquanto os outros pagam entre 0,4% e 0,7%.
DN 17-06-2011 

Sem comentários:

Enviar um comentário