O Estado chupista - Visao.pt

Não há plano de negócios, não há crédito, não há clientes que aguentem este emaranhado fiscal e burocrático. Por isso, não há economia. É cartesiano
A semana passada, por razões de trabalho, fui ao Porto. Passei o dia a deambular pela Baixa - o meu ofício tem destas coisas... - e fiquei surpreendido com a animação do centro da cidade.
Em qualquer ruela da Baixa e da Ribeira do Porto, mas também nos eixos que se prolongam até aos Clérigos e ao Bolhão, há uma iniciativa. Pode ser um pequeno quiosque de venda de lembranças pagãs ou uma aristocrática loja de recordações religiosas. Pode ser uma pequena cafetaria que anuncia pastéis de Chaves artesanais ou uma loja de artesãos que reinventam os azulejos que cobrem algumas das fachadas mais bonitas da cidade. Pode ser um elegante restaurante, de onde saem do forno iguarias típicas do norte, ou pode ser, apenas, mais um boteco de esquina que anuncia a melhor Francesinha do mundo. Em qualquer rua há um - ou mais prédios - a ser recuperado. E no rio há agora uma muito agitada faina turística em torno dos passeios de barco para conhecer as margens do Douro. Eu, que não a visitava assim há muito, fiquei boquiaberto: a cidade está, e muito, viva.
Tal deve-se, claro, ao turismo. De estrangeiros. Chegam ao Porto, hoje, em maior número do que nunca, graças às ligações low cost que conetaram a cidade a alguns destinos europeus. Outros chegam para iniciar ou terminar um périplo nacional, de comboio ou de carro. Interessados pela cidade, a cidade deu-lhes resposta: reinventou-se, com mais ou menor bom gosto, para acolher os seus novos hóspedes.
As pessoas têm iniciativa quando têm uma oportunidade. Isso sempre aconteceu na história da humanidade e, por estranho que pareça, também acontece entre nós. Quando os preços dos sapatos começaram a cair por causa da produção na China, os empresários nacionais descortinaram uma oportunidade para os seus produtos numa gama mais alta: integraram design, criaram marcas, hoje exportam mais do que nunca e para todos os cantos do planeta. Quando alguns agricultores do distrito de Aveiro souberam de novas variedades de frutos, como os mirtilos, incomuns entre nós mas com condições excecionais para serem produzidos naquela zona do país, uma série de microproprietários começou a produzir as bagas azuladas que são muito mais pagas do que, por exemplo, o milho que aí se produzia tradicionalmente. Há uma oportunidade, logo, há inciativa - é cartesiano.
Mas o Estado tudo faz para que assim não seja. Uns amigos que têm um projeto de constituição de uma sociedade na área turística têm-me posto a par do pesadelo. Constituir a empresa até é simples. Mas depois há o IVA (23%); há o IRC e o Pagamento Especial por Conta (os meus amigos mandaram-se agradecer a Manuela Ferreira Leite); há as derramas municipais; há os programas de facturação electrónica; há os pagamentos à Segurança Social (23,75%, da empresa, 11%, do trabalhador); há o licenciamento da atividade e as respectivas taxas; há o pagamento da contabilidade organizada... Se o pobre (sim, acho que é o termo) empreendedor conseguir depois deste massacre ter lucro, os dividendos que venha a receber ainda são tributados em sede de IRS, a uma taxa liberatória de 28%... Não há plano de negócios, não há crédito, não há clientes de um negócio que aguentem isto. Por isso, não há economia. Também é cartesiano.
Os portugueses, como os outros, têm iniciativa. Mas, ao contrário de muitos outros, têm um Estado sufocante. Os elevados níveis de economia paralela não são uma fatalidade de criminosos organizado - muitas vezes, mais não são do que consequência de um Estado chupista.

Artigo de Paulo Chitas, na revista Visão
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